Canto das Três Raças é uma canção
emblemática. Para mim, uma carinhosa lembrança de um tempo, entre os anos 1960
e 1970, em que escolhi o rock como meu estilo favorito, mas também, através de
meus pais, aprendi a gostar e admirar artistas como Clara Nunes, Martinho da
Vila, Simonal, Roberto Carlos, Joventina de Jesus e Miltinho.
Mauro Duarte (música) e Paulo
César Pinheiro (letra) compuseram Canto das Três Raças com a
intenção de ser o samba-enredo para a Portela,
o que acabou não acontecendo. Ninguém perguntou, imagino, mas torço pela
Portela e sou botafoguense. Isso explica muita coisa, penso… Passei mais de
um ano para gravar essa versão, o que faço agora com imenso prazer e emoção.
Totalmente gravada com celular sem demais tecnologias, esta versão é um recado
musical contra a intolerância religiosa e contra o colonialismo no movimento de
rock.
Há quase duas décadas, após comprar o CD “Vida e Obra de Lennon McCartney” entrevistei o compositor e cantor Leno (da dupla Leno e Lilian da Jovem Guarda e depois carreira solo nos anos 1970.
Entrevista publicada
originalmente em O Martelo número 9 (novembro de 2007)
Leno Azevedo tem muita história para contar. Egresso da dupla Leno e Lílian (1966) da época da Jovem Guarda, o nosso entrevistado deu uma guinada de 360º gravando o seu terceiro disco solo em 1970, a obra prima “Vida e Obra de Johnny McCartney” produzido pelo autor e pelo ainda desconhecido Raul Seixas. Porém, a gravadora CBS impediu que o disco fosse lançado, acrescentando que a matriz seria destruída. Somente 25 anos após o não-lançamento, as fitas originais foram descobertas e mixadas para lançamento em CD e a última novidade dá conta que o disco será lançado agora nos Estados Unidos. Leno Azevedo mostra aos leitores do Martelo porque faz parte do seleto grupo de artistas da Jovem Guarda, que inclui Ronnie Von e Erasmo Carlos, que conseguiu produzir grandes discos que somente agora estão sendo resgatados pelas novas gerações reescrevendo a história do rock neste país.
A separação da dupla Leno e Lilian foi motivada por uma necessidade artistica ou apenas por desgaste pessoal? A separação ocorreu em um periodo em que vários artistas como Ronnie Von e Erasmo Carlos quiseram (e conseguiram) fazer um upgrade artistico em suas carreiras apesar de não terem obtido sucesso comercial de fato. O que houve de erros e acertos em cada caso segundo a sua análise.
A primeira separação da dupla em 1967 foi por ambos motivos. Ainda éramos muito jovens e a necessidade de maturação artística poderia esperar mais um pouco a questão foi mesmo de desgaste pessoal e uma maneira diferente de encarar nosso trabalho. Quanto ao upgrade artístico do Erasmo e do Ronnie acho que foram muito sinceros, mesmo sendo ótimo o que o Erasmo já vinha fazendo. Ele também atingiu sucesso comercial em várias ocasiões dali pra frente. Acho que tinha a ver com a virada da década. Os anos sessenta foram tão criativos que tínha o desafio de dar continuidade através década que se abria. Minha resposta pessoal foi o ‘”Vida e obra de Johnny McCartney”, infelizmente censurado e aí sim, até mesmo pela CBS por razões comerciais.
Recuerdos
O que diferencia Leno
e Lilian de Sandy e Junior? Ambas seriam produtos criados para se adequar a uma
necessidade do mercado cantando músicas coordenadas por produtores artísticos e
executivos de gravadoras ou não?
Só posso falar por Leno e Lílian, apesar de achar Sandy e
Junior muito talentosos e terem ultimamente corrido riscos comerciais pra fazer
o que acreditam…Mas nunca fomos fabricados pela gravadora. Nem creio que eles
tenham sido – na verdade já chegamos na CBS, a maior do país na época , com
Pobre menina e Devolva-me já prontinhas pra serem gravadas. Me lembro que assim
que terminamos a sessão de gravação o “Seo” Evandro ( Evandro Ribeiro , nosso
produtor assim como de Roberto Carlos, Wanderléa, Renato e seus Blue Caps
entre outros ) já veio falando para nós mesmos já
irmos escolhendo repertório para gravarmos um Long-Play. Ele sabia
que o single ia estourar e acertou. Não conheço no Brasil outro compacto
simples que tenha tido dois clássicos tão marcantes. No primeiro LP só tem duas
músicas que eu não queria muito gravar… “Desculpas” (Excuses) de
uma banda canadense que não lembro o nome, sugestão dele e “Meu Coração
Bate”, idéia da Lilian. Esta última era “Can’t you hear my
heatbeat” dos Herman Hermits que tinham coisa bem melhores. Em compensação
apareceu uma canção inédita de Lennon e McCartney chamada “Ill be on my
way” que só era conhecida na Inglaterra com o grupo de Liverpool The
Fourmost. Ouvindo hoje percebo como nossa versão ficou melhor e mais pesada,
mesmo com os Fevers acompanhando com pressa pra dar tempo de pegar a
ponte-aérea pra São Paulo. Foi no mesmo dia que gravamos “Eu não sabia que você
existia. E ao contrário do que dizem, a maioria das músicas eram de autores
brasileiros na maioria dos discos da Jovem Guarda.
Quem foi o maior responsável (se há algum) para o enfraquecimento da Jovem Guarda no final dos anos 60? Sua própria ingenuidade, a falta de maturidade artistica, Caetano e Gil, Os Mutantes ou o fato de os Beatles terem evoluído?
Acho que teve a ver com a inflação de artistas provocado
pelo oportunismo de outras gravadoras que viam ali um filão. Quem usasse cabelo
comprido ou calças apertadas era considerado da Jovem Guarda. Mas Jovem Guarda
era Rock. Tem sites de Jovem Guarda que colocam Agnaldo Timóteo lá. Ou Odair
José (ler entrevista nos arquivos de O Martelo) e Reginaldo Rossi mesmo eles
tendo se projetado nos anos 70, bem depois. É paradoxal o pessoal cobrar
maturidade de um movimento que tem a palavra JOVEM no nome! O charme e o
segredo talvez tenham sido justamente esses, quase hormonais. Quanto à Caetano
e tropicália , que me perdoem mas não dava nem pra chegar perto do fenômeno
nacional que a Jovem Guarda representava no país todo e em todas as classes
sociais e etárias. Uma espécie de beatlemania Tupiniquim. Já a esquerda
ortodoxa pertubava mais com seu stalinismo de merda. Já eram chatos desde
aquela época. Só não se sabia que quando chegassem ao poder se revelariam mais
incompetentes, autoritários e desonestos que seus antecessores. Quanto aos
Beatles terem evoluído foi bom pra nós, um estímulo criativo em nossas almas ,
corações e mentes. Mesmo sendo a ingenuidade de “I wanna hold your
hand”, por exemplo, (“Quero afagar sua mão”) tão genial quanto o
maduro Sgt. Peppers!
Lennon e McCartney
Apesar de “A
vida e obra de Johnny McCartney” ser um trabalho do artista Leno, o vejo e
ouço como um trabalho coletivo; produzido por Raul Seixas, teve a Bolha (ou os
Bubbles) como banda de apoio e incluiu composições de outros autores. Foi mesmo
um projeto coletivo?
Na verdade não foi um trabalho assim tão coletivo mesmo com
a participação de outras pessoas. Eu já tinha toda a concepção do disco na
cabeça e convidei outros músicos para ajudar a executá-la. O Raulzito que
entrara há apenas um mês como produtor da CBS trabalhou na prática como meu
assistente de estúdio, já que o Renato Barros – o produtor desde o inicio de
minha carreira solo com o hit “A pobreza”- é quem era oficialmente o produtor
da gravação. Mas ele não acreditava comercialmente no que ia ouvindo e passou a
gastar mais tempo preenchendo as cartelas da loteria esportiva do que
participando efetivamente da produção. Então tomei as rédeas da produção no
estúdio. O Raulzito porém, teve uma total influência no arranjo instrumental de
“Lady Baby” por exemplo e o considero afetivamente o co-produtor. Fez
várias letras numa nova direção do que vinha fazendo. Eu o estimulava à partir
pra outras odisséias líricas. Uma noite no estúdio ele desabafou que a letra de
nossa parceria em “Sentado no arco-Íris “- música minha onde ele desenvolveu a
letra a partir da primeira estrofe que eu iniciara – era a primeira letra que ele
se identificava e tinha orgulho de ter escrito. Isso foi na hora de gravarmos
os backing-vocals e nunca esqueci. No livro “O baú do Raul revisitado” há
um manuscrito do Raulzito na pág 170 com um rascunho do projeto de um disco que
ele pretendia fazer intitulado “Meus mestres” onde cantaria com um
convidado em cada faixa. Fiquei emocionado ao ver meu nome lá pois
desconhecia esse projeto dele. Trazer a Bolha (clique aqui para ler
entrevista com Renato Ladeira da Bolha) foi também idéia minha que o Raulzito
gostou ao irmos juntos assistir um show dos caras no clube Monte-Líbano no
Leblon. Eles tinham chegado da Inglaterra com novos instrumentos e tocaram
naquele dia um rock “stoniano” chamado “Sub-entendido” que me deixou logo
com vontade de incluir no LP. Então os convidei pra virem o estúdio. Acho que
eles nunca tinham entrado em um… Aproveitamos pra gravar mais 3 músicas:
“Sentado no Arco Íris”, “Por que não” e “Johnny
McCartney”, que eles aprenderam na hora em duas noites e saiu muito bom!
Os técnicos quase ficaram loucos pois jamais tinham gravado rock naquela
pauleira e acharam o som muito sujo. Em breve “Vida e obra de Johnny McCartney”
deve sair nos Estados Unidos. Recebi elogio dos técnicos americanos sobre a
qualidade do som pra época! Ironias da vida. E sairá em CD, LP Vinil de capa
dupla, como eu queria na época. O Marcos Valle caiu de para-quedas no disco
graças à uma belíssima canção chamada “Pobre do rei” que ouvi em sua casa numa
época em que tive um namoro com a irmã dele. Foi bem insólito ter um ícone da
bossa-nova num de disco de Rock, mas ele gostou da idéia e até tocou piano
elétrico na faixa. Foi um ato corajoso dele diante do fundamentalismo da mpb.
Em Busca do Sol
LENO McCartney
Em relação a estúdios
de gravação você acredita que “A Vida” foi um trabalho feito dentro
das melhores condições possíveis? Foi mesmo o primeiro disco brasileiro a ser
gravado em 8 canais? Como foi ter Raul Seixas como produtor artístico?
Sem dúvida foi gravado nas melhores condições possíveis em
1970. Fui o primeiro a gravar em 8 canais. Na época, a Philips, concorrente da
CBS gravava os Mutantes e a tropicália em 4 canais apenas. Como eu era
apaixonado por sonoridades de estúdio (Se comparar o som dos meus discos com
outros gravados no mesmo estúdio da CBS na época dá pra entender o
que digo) me escolheram como “cobaia” pra ajustar a mesa de som, etc. Adorei a
idéia e “Johnny” até hoje tem uma sonoridade única. Com Raulzito no
estúdio as coisas rolavam de uma forma mais divertida pois ele tinha um enorme
senso de humor, além de dar suas opiniões. Me lembro dele me dando dicas sobre
a forma de cantar a letra da nossa parceria em “Johnny McCartney” de uma forma
mais irônica. Eu nunca tinha cantado uma letra daquelas que dizia coisas como
“Ainda hei de ser famoso um dia / meu nome nos jornais você ai ler / vou ganhar
mais de um milhão / comprar o meu carrão cantando na TV”. Era meio
constrangedor pois parecia que aquilo era sério quando na verdade era uma
gozação com o mito das celebridades. Aquelas sessões serviriam como laboratório
para o que ele iria fazer nos anos seguintes..
Você escreveu algumas
das canções deste álbum sob efeito de drogas como os Beatles?
Foi lá que experimentamos maconha pela primeira vez e muitas
sessões foram hilárias como a de “Sr. Imposto de renda” (atualíssima por sinal)
Por que o nome Johnny
McCartney? Por que associar o trabalho diretamente aos Beatles? Resquício do
trauma da separação do quarteto?
O título é absolutamente “nonsense”, assim como a capa. Era
mais uma gozação com as elucubrações pseudo-intelectuais de uma parcela da
“inteligentzia” tupiniquim e seus papos-cabeça.
“Sapato 36”
de Raul foi inspirada em “Convite para Ângela” ou as duas são a mesma
canção sem o seu crédito?
Realmente “Sapato 36 é “Convite para Ângela” feita anos
antes por nós dois, porém com a segunda parte da música e letra refeita pelo
Raul. Ele só re-aproveitou o que ele mesmo tinha feito. Poderia ser
considerado juridicamente um plágio pois meu nome não consta. Mas eu jamais
iria brigar com meu amigo por uma coisa dessas. Ainda mais que o Raul era um
cara muito generoso (apesar de cantar ”Eu sou egoísta”).
O quanto você ficou
magoado ou teve um daqueles desânimos aterradores quando recebeu a noticia que
o LP havia sido tanto censurado artisticamente pelos executivos da gravadora
como pela própria censura da ditadura? E se este disco tivesse sido lançado em
1971 e a imprensa e o público não o tivessem compreendido, como você teria se
sentido?
Foi bem frustrante ver meses de trabalho irem pro espaço e
também pela omissão da CBS, a quem eu já tinha dado tanto lucro com uma série
de discos de ouro. Fiquei puto e pedi rescisão de contrato. Depois atendi um
convite do Jairo Pires e fui pra Philips, na época do André Midani. Mas para um
artista que vinha de grande vendagem com uma canção romântica como “A
festa dos seus 15 anos”, não foi à toa que “Seo” Evandro “surtou” quando
ouviu o “Johnny”. Ele desconfiou (acho eu) que “Pobre do Rei” era uma
indireta pro Roberto Carlos a quem ele então produzia. Por outro lado a Censura
oficial achou que era pro Médici. Seis meses depois o ”Seo” Evandro me convidou
pra voltar pra CBS, onde eu amava o ambiente e a companhia da turma da Jovem
Guarda que continuava cheia de gás mesmo depois do fim do programa de TV.
Aceitei a sugestão de retomar a dupla Leno e Lílian. Isso foi em 1972 e
gravamos o nosso melhor e menos vendido disco. Em 73 fizemos o último LP com um
repertório ruinzinho escolhido pela gravadora pela primeira vez, mas com uma
boa vendagem. Mas preferimos separar a dupla de novo, o que continuou acontecendo
através de encontros e desencontros de comemorações do movimento. A
Depois dessa fase
você caiu no suingue black de volta à dupla com “Leno e Lilian” (CBS,
1972). Você gostou do trabalho ou sentiu-se meio obrigado a aceitá-lo em razão
do mercado da época que investia no som black nacional? Há alguma canção deste
LP em particular que mereça ser citada? Como era a sua relação com Lilian Knapp
nesta época?
Não vejo esse disco particularmente como um disco
black Não foi concebido nesta direção, mas talvez tenha rolado
inconscientemente. Considero o melhor disco da dupla, onde fizemos nossos
melhores vocais em estúdio. Tem 4 pérolas inéditas do ainda chamado Raulzito
(estamos em 1972) inclusive “Objeto Voador”, que mais tarde ele gravaria
como S.O.S. Mas olha o clima:eu não quis gravar nada de minha autoria para a
Lílian não reclamar que eu estava faturando mais direitos autorais do que ela,
já que eu era o produtor com total liberdade dada pela gravadora para escolher
o repertório. Por falar em generosidade do Raul como ele já tinha 3 músicas
neste LP colocou o nome da Lilian na versão que ele fez à meu pedido para “Day
After Day” do Badfinger: “Dias iguais”. E que ela, aliás, aceitou
muito bem, obrigado. No todo foi um bom trabalho, incluindo uma regravação da
bela “Esqueça e perdoa” do Getúlio Côrtes (irmão de Gerson King
Combo. Ele está na capa de “Vida e Obra de Johnny McCartney”. Ler
entrevista com Combo nos arquivos de O Martelo).
“Meu Nome é
Gileno” de 76 é outro trabalho que impressiona. Apesar da qualidade
artistica, o disco não foi um recordista de vendas. Passou pela sua cabeça dar
a sua carreira por encerrada? Que histórias você pode contar sobre a
gravação/promoção deste disco e sobre os anos 70? Foi neste período que você
foi viver nos Estados Unidos? Por desilusão? Para dar um tempo, se renovar?
“Meu nome é Gileno“ tinha uma ponte com “Vida e obra Johnny
McCartney” inclusive com a inclusão de “Grilo City”, que já falava da violência
urbana carioca e fora censurada em 1971 (originalmente” Não há lei em Grilo
City”). Regravei em 1975 e saiu em 1976. Um longo processo de gravação e
regravações até chegar no ponto sonoro que eu queria. Me recordo de entrar pelo
horário de gravação de outros colegas de gravadora e deixar o Roberto (Carlos)
esperando no estúdio enquanto eu terminava de colocar voz em “Grilo City”, e
ele conversava com seu advogado. Ainda bem que não fui processado por abuso de
horário! Todos torciam por um final feliz para que pudessem fazer seus discos!!
Rolaram experimentos como usar dois bateristas: Paulinho Braga e Lourival (Hoje
na banda do Roberto), com vazamento controlado nos canais de guitarras e
baterias dando uma impressão de disco ao vivo. Tinham grandes músicos
participando porém novamente as rádios estranharam e poucas tocaram. Nessa
época nem rolava jabá. Apenas em São Paulo a sofisticada Excelsior Fm
tocou várias faixas. Tinha a música “Jovem Guarda” que é uma das minhas
composições favoritas. Mas eu já não estava nem aí para “timing” de mercado ou
o que era ou não comercial para o momento. E fiz outro disco adiante do tempo.
Virou minha especialidade, como esse novo que estou lançando, “Idade Mídia”,
que pelo jeito só vai ser reconhecido daqui a uns dez anos (!?). Mas jamais
pensei em desistir do meu verdadeiro ofício por causa da ignorância alheia. Ao
contrário, aquilo me provocava. Fui para os Estados Unidos na época do Jimmy Carter,
onde fiz um single pela Shellter records com o produtor do Tom Petty e Procol
Harum (de A whiter shade of pale”) o Denny Cordel. Tinha até o Jim Keltner,
batera do John Lennon e Bob Dylan na gravação, ou músicos da banda Chicago
curtindo meu trabalho. Essas coisas não tem preço e valem muito mais do que
sucessos atuais fabricados à base de jabá.
É fato que um ser
humano deve plantar uma árvore, escrever um livro e ter um filho?
É! Atualmente com o aquecimento global nunca foi tão
necessário plantar árvores , ainda mais com a estupidez da queima da Amazônia e
desflorestamento da mata Atlântica. Caetano tem razão quando diz que “Somos uns
boçais”. Falo nesse tema em “Debaixo do sol” do novo CD “Idade Mídia”
(www.leno.com.br) O livro já estou escrevendo. E o filho, minha melhor obra já
está tocando muita guitarra solo e compondo muita coisa interessante na banda
R.Sigma. Aliás , foram escolhidos entre mais de 60 bandas cariocas para
representar o Rio de Janeiro no festival MADA em Natal em maio passado onde
arrasaram. Estão agora em estúdio gravando rock do bom e com personalidade
própria. Méritos próprios, não me meti. Só quando ouvi foi que caí pra trás!!!
Você ainda tem prazer
de cantar e gravar discos até hoje? Como produtor e compositor dos seus novos
discos (independentes) como você analisa o mercado atual com tantas mudanças
estéticas e tecnológicas? Fazer música perdeu a magia ou este prazer se mantêm
parcialmente intacto?
O prazer da música jamais me abandonou, só aumenta porque só
ouço o que gosto. Quase não ouço rádio, onde outros é que escolhem o que a
gente vai ouvir. Ainda mais com o jabá mandando. Quando não estou gravando ou
fazendo shows e olho em volta – aqui e lá fora – penso: mas que merda de
cenário com ídolos fabricados em reality shows e american idols, rocks
evangélicos onde as cantoras quase têm orgasmo com Jesus. Mas a força que a
música em minha vida é muito maior do que isso tudo e quando subo no palco ou
ouço meus discos favoritos, no momento certo, meus grandes ídolos como os Beatles,
Beach Boys, James Taylor, Stones ou um Elvis dos anos 50, além dos meus
artistas nacionais, mando tudo pro inferno e dá uma tesão musical que dispensa
qualquer viagra!
A morte de Neil Peart, o baterista da banda Rush, foi comunicada pela imprensa no dia 10 de janeiro. Não foi “apenas” a morte de um grande músico, mas praticamente o fim de uma época – segundo certos parâmetros, é claro. Explicando: já vaticinou-se a morte do rock progressivo há décadas, o que não é uma inverdade. Pois parece que o estilo não faz mais sentido – isso é, se ele não “progredir” de alguma forma e encontrar novos objetivos. Creiam que o próprio nome do estilo é o seu epitáfio: progressivo… Ou seja, nada está mais distante do rock progressivo do que o progresso, já que seus fãs ainda idolatram as decantadas fórmulas da década de 1970, e não progridem, fossilizam-se em um passado glorioso. Ressuscitar um estilo musical ou copiar a estética de um filme, por exemplo, não significa que ele ainda é relevante. E aí, volta-se à pergunta: ter moicano em 2020 significaria que o punk rock e o hardcore não morreram? Há duas coisas distintas e que se contradizem: a discussão ideológica-estética e a perenidade e a necessidade de estilos de épocas longínquas ainda existirem, sem terem à sua volta, e como fermento, o velho mundo no qual nasceram…
Rush ri…
Mas voltando à vaca fria, não é preciso destacar a importância de Neil Peart para o mundo da música e nem a sua contribuição para os temas de ficção-científica da banda. O que posso fazer neste momento, é contribuir com memórias e a relação com a minha vida pré e pós-bandas. E o Rush povoou o meu imaginário entre a segunda metade dos anos 1970 até 1980.
Neil Peart ao vivo na década de 1970 entre tons e bigodes.
Poucos músicos de rock visitaram o Brasil nos anos 1970. Dá para contar nos dedos. Mas houve um maná para um adolescente como eu chamado punk rock – que já se ouvia falar em 1976. Rock ou era um negócio de hippie, de músicos considerados “velhos” ou pesado ou “progressivo”… No colégio nessa época, escutava-se Zep, Purple – e menos o Sabbath, mas eu não gostava tanto. Era a época que dizia-se que o AC/DC – ainda desconhecido no país – era uma banda de punk rock e que o Queen era uma banda “curiosa” – que não iria muito longe (“outra cópia do Zep”)… Acreditem.
E não há como descrever o impacto de bandas como New York Dolls, Television, The Clash, Sex Pistols, The Jam, Patti Smith naquela época. O rock estava mofado e eles desmofaram. Atitude, som, timbres, roupas, cabelos, letras completamente diferentes. Mesmo assim eu ainda escutava Rush e adorava. Lembro bem da exibição do clipe de A Farewell To Kings no programa Rock Concert da Globo com sua introdução de violão no estilo Bach. Eu nem tinha vídeo-cassete para registrar… O Rush era, como todo rock pesado, um pouco petulante e brega, mas também era instigante. Se o punk rock instigava, o Rush também podia fazer isso de outra forma (sem entrar em conceitos de toca “bem” ou “mal”… Uma discussão capenga).
Lembro bem da resenha do disco Fly By Night (1975) na revista brasileira Pop que dizia em letras bem impressas que ninguém deveria levar o tal do Rush a sério, considerado uma pálida cópia do Led Zeppelin (o mesmo tipo de crítica feita aos Beatles em 1963) e recordo como eu e meus colegas de colégio curtíamos os álbuns Caress of Steel, 2112, All the World´s a Stage, A Farewell to Kings, Hemispheres, Exit… Stage Left e Moving Pictures. E ao mesmo tempo eu ainda amava – e cada vez mais – o punk rock.
Na faculdade de jornalismo por volta de 1983, cabulávamos algumas aulas e em uma sala vazia, um dos veteranos da faculdade, Ivo Ricardo, baixista da banda carioca Água Brava (que imitava o Rush sem pundonor), tocava para uma grupo de 4 alunos, em um Betacam, os vídeos ao vivo do Rush (Exit…Stage Left) e do Thin Lizzy (Live and Dangerous).
Em 1992, já tocando na banda Dorsal Atlântica e me sentindo obrigado pelo público e gravadora a fazer e gravar mais do mesmo, eu comentei com os outros músicos do grupo que gostaria de compor um disco mais ousado, espiritual, pesado mas “progressivo”. O nome escolhido para o LP foi Musical Guide from the Stellium e faixas como Kali Yuga e Thy Will be Done exibem a influência do Rush e o que eles nos ensinaram: sermos “pesados, mas progressivos”. E aí entra a verdadeira acepção do nome, da alcunha: como artista, nunca me repeti, aboli fórmulas e fui… progressivo. Logo quem!? O filho do punk rock!
Quando o Rush decidiu pela primeira vez tocar no Brasil, em 2002 no Maracanã, eu estava tocando em Goiânia Rock City com a minha banda Mustang. Já tendo absorvido as lições de todos os estilos, de toda uma vida e literalmente (desculpem o termo) “cagando e andando” para o mercado, o lugar-comum e as obviedades da vida.
Em 2010, o Rush retornou ao país e no Rio tocaram na Praça da Apoteose. E aí, entra em cena o meu cansaço pessoal do rock, e das pessoas. Este relato pode soar muito pessoal (e é), mas acredito ser importante mencionar que a vida é uma questão de escolhas. Um bom amigo pagou o meu ingresso, mas ele se perdeu de mim porque havia bebido demais e sumiu por aí, dentro da Apoteose. Mas horas antes de entrar no show, eu estava com um grupo de conhecidos de outro Estado, que vieram ao Rio ver o Rush, mas mesmo sabendo que eu sou “de careta”, um deles tentou esfregar cocaína no meu nariz… Ali foi como a gota d´água do saco cheio de um monte de coisas. Aguentei o show do Rush até a metade, mas tudo aquilo estava forçado demais, todo mundo doido e eu ouvindo algo que não fazia o mínimo sentido e resolvi ir embora. Ao sair da Apoteose, um grupo de pessoas no alto de um viaduto ao lado, me reconheceu e começou a gritar meu nome e a acenar para mim. Sorri de volta, segui adiante, caminhei até o Circo Voador, na noite abandonada da Lapa, entre abandonados pela vida e fui fazer compras em um super mercado na madrugada enquanto rolava um Rush na Apoteose…
O que relatei sobre a última tentativa de assistir à banda em um momento não adequado e de ter visto tanta gente amontoada sem razão de ser, remete-me seriamente à questão do hedonismo na música e na vida como expressão de liberdade individual. Pelo o que relatei, e por convicção, eu não acredito nesse ponto de vista que agrego ao neoliberalismo. Tanto, que sem querer julgar, mas mostrando que Peart acreditava no hedonismo – que a meu ver ele confundia com liberdade -, leiam essa polêmica entrevista de 1978 no link abaixo.
Cada um no seu quadrado, com ou sem sonhos e fantasias.
Encerro este texto agradecendo a Peart pela inspiração e dizendo que a vida e a morte, para quem acredita, são a mesma coisa. As pessoas nunca morrem, elas se encantam. E nos encantam.
“Som, Sol & Surf– Saquarema” de Hélio Pitanga e “Meu Tio e o Joelho de Porco” de Rafael Terpins (ambos lançados em 2018)
Por Fausto Mucin.
SAQUAREMA
1976
Acompanhei tudo sobre o famoso festival de Saquarema, cidade praiana no interior do Rio de Janeiro, pela resistente publicação “Rock, a História e a Glória” em 1976. Eu tinha 15 anos na época, e nem um centavo pra ir a lugar nenhum. O nosso movimento setentista tinha uma rainha (Rita Lee) e, que eu saiba, dois músicos deficientes físicos: o baterista Rolando Castello Júnior (do Made nos anos 1970) da Patrulha do Espaço e o vocalista do Bixo da Seda, Fughetti Luz, todos do primeiro escalão. Simbólico e maravilhoso. Através da revista impressa, soube do caos ocorrido nesse grande encontro de feras e imaginava os motivos, mas no documentário “Som, Sol & Surf– Saquarema”o jornalista-produtor Nelson Motta – e outros envolvidos – falam com total clareza sobre os bastidores do festival. Pena que quase tudo no Brasil peque por falta de planejamento e estrutura, mas, como o próprio filme explicita, temos arte, música e resistência, principalmente naquela época onde todos parecíamos um só corpo, sem divisões.
No documentário surgem o Made in Brazil em
forma, talvez em sua melhor forma; Raul Seixas brilhando como sempre, – se ele
só arrotasse já brilharia por si -; Bixo da Seda hipnotizante – há algo mágico
ali que repercute até hoje -; Ângela Rorô e Rita Lee e Tutti Frutti – talvez em
sua melhor forma também… Aliás, entendo os percalços da produção e a pressão
da ditadura, mas fiquei assustado com a ingenuidade da produção em contar com
alguns participantes inexperientes, filmar em 16 milímetros, e gravar em fitas
de 30 minutos… Se rolassem mesmo, o disco ao vivo e o filme nos anos 1970
teria sido praticamente um milagre. Muito bom ter feito esta viagem ao tempo e
constatar tudo isso.
Nota negativa para o “Bobão” (para bom
entendedor, uma letra trocada basta) que mesmo presente ao festival, disse que
não viu show algum, – e que nem sabia o motivo de estar lá. Se o rock errou,
foi principalmente por tê-lo como depoente…
“A coisa mais anti-rock’n’roll que
existe é uma ditadura militar.”
A reflexão acima é de Nelson Motta. Sempre
gostei dele apesar de ser muito global, mas assumo que ele foi influente em
minha formação, essencial mesmo, mas acho, apenas acho que desta vez, em 2019,
ele pode estar enganado. E por quê? Artística e musicalmente, o negócio piorou
muito de Saquarema pra cá. Se hoje temos planejamento e estrutura melhores, uma
parte significativa dos músicos do estilo ainda não entendeu nada sobre o que é
ser um músico de rock, e o que é a ditadura…
Ou será que fui eu que envelheci com meus
sonhos?
Vontade de agradecer pessoalmente a quem filmou o festival – Gilberto Loureiro falecido em 2013 -, ao restaurador Chico Moreira – falecido em 2016 – e ao diretor Hélio Pitanga.
JOELHO
DE PORCO
O documentário,
como o título adianta, foi dirigido pelo sobrinho de Tico Terpins, baixista e
fundador da banda Joelho de Porco. Fala-se sobre o Joelho, mas principalmente
sobre o tio. Mesmo como filme-familiar, muito me interessou o que fez de Tico
Terpins ser um artista. Judeu, rico, e um verdadeiro espírito de porco literal
(he, he). O baixista escondia sardinha no carro dos outros para feder, colocava
revistas pornôs nas bolsas das socialites (que seja) e zoava o público e os apresentadores
de TV. Mas assumo que tudo isso me soou um pouco como cuspir pra cima, estourar
as pontes, e fechar as portas por onde se passa… Na fase da primeira mulher,
Tico conseguiu se consolidar, e a banda cresceu, frutificou, mas já na segunda
esposa, me pareceu que perdeu-se o motivo de viver… Algumas mulheres fazem de
você uma outra pessoa – ou deixa-se fazer… E quando não se é mais você, quando
se perde a essência, pode ser o fim da linha. Não sei se foi isso o que
ocorreu, mas assim me pareceu.
O vocalista Próspero
Albanese, com quem hoje tenho um relacionamento saudável, foi quem saiu da
banda. Nunca imaginei que fosse isso, uma pena… No retorno ao Joelho, como
Albanese mesmo disse, já era outra coisa… E sobre o vocalista ítalo-portenho Billy
Bond é melhor não dizer nada… Uma pena que ele não tenha contribuído com
depoimentos e nem cedido direitos de imagem. Soa-me ressentimento, e isso é
condenável, mas pelo depoimento de um produtor – ou empresário – do Joelho, foi
Bond quem pagou pra entrar na banda!
Este é um
documentário que todos que amam o rock brasileiro devem assistir. Muitos
depoimentos interessantes, imagens inéditas e filmagens antigas.
“Rafa, sabe esta pilha alcalina? Os Terpins são daquelas amarelinhas bem vagabundas.”