O isolamento social não tem sido fácil para ninguém. Embora
que para muitos, a vida parece seguir “quase” normal. Os ônibus, farmácias e os
supermercados funcionam. Mas recebo relatos de funcionários sem máscara e rindo
de toda a situação. Negação e paranóia. Existencialismo e fanatismo. Sem água,
trabalho, e nas favelas a vida segue, como dá, como pode. Parentes de
conhecidos meus faleceram de covid-19. Enterrados às pressas sem despedidas e amigos.
E isso não é teoria conspiratória.
Muitas vezes, a ignorância é quase uma benção, e também um
grande problema. Ignorância no sentido de ignorar, de fazer pouco caso,
inclusive da ciência. E como quase tudo na vida, relações sociais interferem em
questões profissionais. “Propaganda é a alma do negócio”. Ouvia muito essa
frase, mas com o tempo me tornei crítico em relação a esse pensamento que apesar
de tão simples, – e óbvio -, também se refere a oportunismo, e a comprar
pessoas.
Durante a pandemia, pessoas têm se separado, inclusive
casais. Idosos são agredidos, pessoas se desesperam pela falta de dinheiro e
pelo confinamento. E também deixam que preconceitos se fortaleçam, como a idosa
que agrediu verbalmente uma jovem oriental em um vagão de metrô carioca por “infectar
a todos com coronavírus”!
As obras no prédio onde resido não pararam. Serra, poeira e
cimento todos os dias em horário comercial. Ruídos que nos lembram que a vida
não para. O que me faz refletir, todo o tempo, que para comer e ter energia
elétrica para escrever essas reflexões é
preciso haver gente, seres humanos trabalhando. E se expondo ao contágio. É
como cair no fogo ou na frigideira.
O mundo enlouqueceu ou saiu do armário? Está mais normal do
que nunca, mesmo em sua anormalidade?
Enquanto “celebro” e repenso sobre a vida nesses dois meses de isolamento, desenho todos os dias para o meu filho Gael que só me pede artes relacionadas ao jogo FNAF (Five Nights at Freddy´s). Tive que colocar minhas críticas a jogos de lado… Desenhar para o pequeno Gael de 7 aninhos é tão necessário quanto acordar, respirar e comer. Não me imagino de outra forma. E nem conseguiria… Não tenho todo o dinheiro que precisaria para dar bens materiais ao meu filho, mas tenho uma missão que é dar e receber amor. E nunca, ódio.
O amor não pode parar. É a nossa mola propulsora e moto-contínuo, semente e esperança, vida em movimento. Precisamos amar e sobreviver, pagar contas, cuidar da saúde, mente e espírito, mas também precisamos acreditar no amor, sem sermos ingênuos. Somos humanos e tudo o que é humano é demasiado… Ou inalcançável. Mas isso não pode nos impedir. Talvez todo esse período sirva para nos desapegarmos de ilusões, para deixarmos a vida – que nos resta – mais fácil. Certamente, para muitos, a vida nunca mais será a mesma. Ou mais do mesmo.
Analisar uma expressão artística, qualquer uma, tanto atende à paixões e gostos – muitos impostos -, como a pré-definições aceitas, retorno de mercado – e crítica (e trâmites acadêmicos). Os quadrinhos assemelham-se de muitas formas ao cinema, não da forma aceita ou disseminada pela academia, mas para este que vos escreve, através do conceito de quanto mais brasileiro, “pior”. E por isso mesmo, melhor! Não, não é ufanismo tardio. Mas de certa maneira, entoamos odes ao escritor Lima Barreto ao enveredar por esta seara. Então para esmiuçar o assunto, vamos “por partes” como poderia ter dito o Ditador Frankenstein!
Tanto no cinema como nos quadrinhos, o autor pode ser o diretor, quem define os ângulos, o câmera, quem determina a estética, a visão artística e o que pretende transmitir ao público. Ou pode até não passar nada, tanto faz… Há arte nacional que bravamente sobrevive às pressões do mercado e do imperialismo cultural e há aquela arte (entre aspas), que mesmo sendo digna ou indigna, só sobrevive – e é conhecida – por intensa pressão cultural e financeira. Como muitos de minha geração, eu comprava quadrinhos na década de 1970 em bancas de jornais. Adquiria Batman e Asterix, mas também comprava as famosas revistas nacionais preto e brancas de terror, totalmente desenhadas e escritas por brasileiros. Eram melhores do que os congêneres estrangeiros? Sendo muito objetivo, a resposta seria não. E por quê? Pelas mesmas razões que comparei os quadrinhos ao cinema. Havia uma antiga teoria conspiratória que dizia que a ditadura militar nos anos 1970 e 1980 havia imposto a exibição de curtas nacionais com som e imagens ruins para reforçar a ideia de que o cinema nacional nunca teria jeito, nunca daria certo… Mas o que é ser “ruim”? Há um padrão de qualidade universalmente aceito? Quem o impôs? E para quê? Por quê? Para agradar as platéias mundiais…? A maior parte do público nacional consome quadrinhos nacionais com estética estrangeira e isso não é uma acusação, é um fato. Nem o linguajar é factível… O mesmo caso da música brasileira, totalmente submetida à pressões de mercado, e imposições estéticas globalizadas.
Podemos aqui, ficar horas debatendo essas questões, mas a resposta tem tudo a ver com a similaridade entre as duas expressões artísticas, principalmente quadrinhos e cinema. Por enquanto, não colocarei na roda nem literatura, artes plásticas e música…
Desde que me entendo por gente, meus amigos adolescentes nos anos 1970 e 1980 só conheciam filmes nacionais de pornochanchada. Ninguém havia visto nenhum filme da Atlântida, Cinédia e nem Cinema Novo. A garotada só gostava de filmes estrangeiros, basicamente estadunidenses. E cansei de ouvir: “Filme nacional tem som ruim!” (e tinha mesmo) e “Filme nacional é tudo mal filmado!” (Aí entraremos em debates existenciais sobre questões estéticas e câmera-na-mão-ideia-na-cabeça). Mas eu gostava de filme nacional mesmo assim! Mesmo contra 99% dos meus amigos… Essa reflexão me forneceu o insight (desculpem-me pela palavra em inglês…) de que o produto nacional não precisa ser igual, tecnicamente falando, ao produto estrangeiro, mas que é bom que seja brasileiro ou que busque incessantemente uma estética não-colonizada. Mas quem seria o fiel da balança para aceitar e apoiar essa estética “terceiro-mundista”? O público. Mas, como pedir apoio a quem não se interessa em apoiá-lo, se este mesmo público tem sido exposto à radiação gama há décadas? E assim é até hoje. Eu mesmo, só apoio e gosto de uma produção nacional não porque é feita no Brasil, mas porque tem uma linguagem própria, mesmo que canibalizada. Mas é preciso divulgação para que as pessoas tenham acesso aos produtos nacionais e divulgação significa investimento financeiro. Todos sabemos, ou teimamos em não lembrar, que os maiores vendedores de quadrinhos nos anos 1960 no Brasil foram artistas brasileiros (incluindo aí desenhistas que cá moravam egressos da Itália, Portugal e Argentina).
Essas reflexões recutucaram-me após ter recebido os dois
lançamentos da editora MMARTE de Goiânia.
COM A PALAVRA é um compêndio escatológico P&B de 10 por 15 centímetros com 32 caricaturas sobre nossas mais (des)-i-lustres personalidades da política e da vida-pública. São artes diretas, “rabiscadas”, ejaculadas com profundo senso de pesar e humor, produzidas por uma das mais belas cabeças pensantes do país: seu Márcio, o multi-homem Paixão. A sensação que tive com esse trabalho, passível de ser carregado no bolso e ressacado nas ruas, quando se quiser, a cada momento que você se sentir uma agulha no palheiro, é o de comunhão e alívio de alma, já deveras atormentada por gente tão insignificante que ascendeu ao poder alicerçada por ressentidos, terraplanistas e nazistas. Retornei várias vezes às páginas já vistas para relembrar de como Márcio havia retratado essas personagens perversas, e (sor)ri mais e mais, quase que aliviado em saber que com suas lentes da verdade, Márcio comunga conosco a mesma paixão, a mesma hóstia. Como irmãos na fé, crentes que a arte salva e que nunca, jamais, deve ser censurada.
Precisa de legenda…?
A obra O DITADOR FRANKENSTEIN compila em formato 30 x 21 os trabalhos em P&B de terror e política lançados de 1960 a 1982 pelo mestre dos quadrinhos expressionistas Julio Shimamoto, exatamente quando o artesão completa 8 décadas de vida – em 2019. O prefácio escrito por Márcio Paixão localiza a obra de Shima (e roteiristas) no tempo-espaço e esmiúça várias questões como a detenção do artista pelos militares – por ter sido considerado subversivo. Reler essas histórias escritas sob a influência da Revolução Cubana, e da ditadura de 1964 – que alguns insistem em dizer que foi uma “dita-branda” ou que “nunca houve” – chegando a citações ao rei dos bicheiros cariocas (Anísio Abraão David) e às explosões de bancas de jornais – que vendiam publicações de esquerda -, nos faz perceber que 2019 parece uma deplorável viagem no tempo, o que por bem (re)atualiza os trabalhos de Shima, mas que também nos deixa em uma tremenda bola-dividida: serão esses quadrinhos mais do que um resgate? Serão a antevisão de uma nova ditadura? De uma já nascente censura…?
A conecção entre terror e política não é uma criação exclusivamente brasileira, tanto que o diretor George Romero disse sobre o seu filme A Noite dos Mortos Vivos de 1968 que os zumbis eram representações de nazistas, mas é claro que em terras tropicais a realidade dos Esquadrões da Morte (alicerçados por uma classe média hipócrita) e torturadores (que faziam sinal da cruz antes de suas torturas) foram mais do que representações e fantasias. Eram a verdadeira encarnação do mal, o que poria – e pôs – à escanteio todos os monstros fantasiosos transformando Drácula em um simples sugador… E como os quadrinhos nacionais eram muito populares nos anos 1960, eles influenciavam milhares de jovens a ver o governo como canalha e a lei como injusta. Mas, aqui deixo uma outra análise em aberto, que pretendo esmiuçar em outro artigo: o de que a arte influencia, mas que ainda é incapaz de direcionar o “oprimido” à ação caso esta arte não seja massiva, através de que veículo for, enorme ou oculto (Exemplos: o seriado Anos Rebeldes da Globo feito para apear o presidente Collor do poder em 1992, os discípulos de Olavo de Carvalho e o Anonymous com suas máscaras de V de Vingança).
O DITADOR também nos faz retornar à questão do início desta análise: existe uma estética nacional? Com Shima pode se dizer que Sim. Todos a conhecem? Não. E Shima, com seus 80 anos, é o mais jovem e inovador dos artistas brasileiros, por ainda ser um dos mais ousados. Shima, o mais brasileiro dos samurais, o mais caipira dos moradores da cidade-grande é aquele que está mais distante de uma arte globalizada e comercial, palatável para o público infanto-juvenil e isso o torna um dos únicos e legítimos artesões deste ofício ingrato que é esfregar o Brasil real no rosto de um país que não se reconhece como mestiço e que teima em negar tanto a ditadura como as consequências da escravidão . A busca real ou artística, simbólica ou ativista, por uma arte nacional e por um país mais justo e miscigenado tem um nome escrito na história: e o seu nome é Shimamoto.
No documentário Arquitetura da Destruição, Hitler, já todo poderoso na década de 1930, inaugura uma exposição com os melhores exemplares da arte clássica, que engrandece o espírito humano, em oposição à degenerada e promíscua arte “judaica”… Essa foi a primeira cena que passou-me pela cabeça quando li a respeito do abaixo assinado de cristãos indignados (2 milhões na última contagem) com o Especial de Natal do Porta dos Fundos sobre o Jesus gay. O Brasil, dos tempos atuais, esse Brasil reacionário que quer se impor a todo custo, apoiaria o assassinato dos chargistas do Charlie Hebdo em 2015? Provavelmente, sim…
Assistir ou não assistir aos Especiais, entender ou não entender, aceitar ou não aceitar não faz a mínima diferença. Isso é um fato. É assim que a maior parte das pessoas procede. Falam sem nem sequer saber do que se trata. Exatamente como ocorreu hoje, quando li um print entre um correspondente e uma menina que se colocava contrária a Paulo Freire sem nunca tê-lo lido… Esse meu conhecido insistiu na pergunta à indignada menina que se defendeu dizendo que conhecidos dela haviam lido Freire, ou coisa semelhante, e que ela aceitava as críticas deles…
“Eu não vi, mas ouvi falar que é ruim!”
Antes de analisar o Especial, na verdade, os Especiais, gostaria de dizer que fui criado como católico e que há décadas desenvolvi um método próprio de ser católico, para não deixar de sê-lo, e que não se conflita em nada com o fato de enquanto artista, eu também poder ser herético, quando necessário, e iconoclasta.
Gregório JC e Fábio, “a namorada”
Por
isso, é importante relembrar dos passos caminhados – e dos filmes assistidos –
para falar sobre o hoje.
Nos
anos 1970, um dos primeiros filmes que assisti em cinemas foi Godspell, uma ópera-rock hippie sobre
o Novo Testamento. Em seguida, vi na TV os escândalos das seitas estadunidenses
e os Meninos de Deus… Já crescido, também em cinemas, assisti à Última Tentação de Cristo (dirigido por
Martin Scorsese) e à Vida de Brian (do
Monty Phyton) na virada entre a década de 1970 e o iniciozinho dos 1980, em
plena ditadura e ainda acreditando que John
Lennon gravaria mais discos pouco inspirados como o Double Fantasy… Sem
contar que passei vários natais a assistir ao Cristo de Zeffirelli e ao Jesus
Cristo Superstar. Em 1985, não pude assistir ao Je vous salue, Marie na época do José Sarney, no raiar
de nossa pretensa e insípida democracia, mas o vi quando pude e não me encantou
como eu, ingenuamente, esperava.
Acredito ter sido necessário listar os filmes “crísticos” para dizer que, após gritos e fogos ao Flamengo, aproveitei o 17 de dezembro, véspera de natal, para assistir aos 2 Especiais do Porta dos Fundos, um deles lançado no ano passado, e que aparentemente não recebeu nenhuma ovação e nem teve uma campanha contra a sua exibição.
Comecei
pela Primeira Tentação de Cristo (o
do Cristo Gay) para emendar no Se Beber,
Não Ceie (de 2018).
São produções heréticas? Sim. Podem ofender aos religiosos? É claro! Mas são muito inteligentes, e muito bem escritos. Os atores, para não listá-los nominalmente, são ótimos. E o que fazer com uma visão de vida diferente? Eu não assisto programa de pastor, mas eles infestam os horários pagos da TV. O que faço? Não assisto. Assim como não entro em página alheia para falar mal do moro, mas entram na minha para falar mal do Lula… E assim vivemos, nós simplórios humanos, entre bloqueios e bolhas.
A Bíblia – ou as Bíblias – permite várias interpretações. Há a da Record e há a que quisermos, tanto que programas como Alienígenas do Passado afirmam que Jesus é ET e não há abaixo-assinados contra… Temo até explicar o porquê…
Não
assisto aos programas do Porta, mas admiro muitos dos atores e gosto do Gregório Duvivier.
O texto de ambos os Especiais é muito perspicaz e muito carioca, o que pode
agredir e causar bastante mal estar em quem não está afeito à essas questões
comportamentais. Eu garanto que acima das diferenças de classe, o que se fala no
Porta – e como se fala – é exatamente o que se fala nas ruas do Rio,
abertamente. É grosseiro, xinga-se demais – com muito amor -, o pessoal é meio FDP
mesmo (“a.k.a.” debochado), mas essa é a escola dos profundamente mordazes. É
uma maneira de sobreviver e de se comunicar. É o humano demasiadamente humano.
Já li que o Porta é um “Monty Phyton terceiro-mundista”. Não é (e como resposta debochada a essa questão, há uma citação à Vida de Brian no Se Beber, Não Ceie). Também já li que é “piada de menino branco e rico da zona sul carioca”… Não é. Isso é preconceito enviesado e inveja. Para escrever como ele (Fábio Porchat inclusive) é preciso ser inteligente e capaz. Muitos artistas que não nasceram em favelas são tão dignos e transformadores quanto os artistas das camadas populares. Sem mencionar as diferenças entre meritocracia e cotas. Ou não…
Quanto à questão religiosa, ambos os
Especiais são heréticos para quem os
quiser ver assim, como também têm um papel de conscientização revolucionária.
A conscientização se dá com questionamentos, entendimento e luta.
Incomodam? Sim. Ainda mais para o Brasil dos
tempos atuais, da goiaba, dos cartazes exilados na Ancine, do desmatamento, do
vazamento, de Paraisópolis, dos integralistas, da pirralha e do energúmeno. Mas
também compete à arte, pop ou não, fazer pensar, horrorizar, e enojar, assim como
fazia o argentino León Ferrari
(1920-2013) que indignou o nosso amado Papa também argentino.
Agora, sigo para uma análise muito própria
dos Especiais: eles não são
contrários à determinadas interpretações das Escrituras que inclusive já foram
expressas no filme A Última Tentação de
Cristo. As reforçam, inclusive.
Nos
programas natalinos do Porta, estão as mesmas perguntas que nos fazemos
constantemente: se Jesus é Deus ou não; se Maria Madalena era prostituta ou
uma mulher livre; se a mãe de Jesus gerou o filho da forma convencional; se o
diabo é um “mal necessário”, a reflexão sobre o Deus punitivo do Antigo
Testamento e o Cristo vingativo dos Apócrifos e finalmente, se Judas era um
traidor ou o único discípulo consciente…
Nesse ponto, gostaria de frisar, os dois Especiais fortalecem a própria fé,
e não a destroem.
Toda
fé precisa ser questionada para sair fortalecida do embate.
Só não dá para assistir em família na ceia de
Natal… Para isso, toda a sua família precisaria ser muito “cabeça-feita” e
desapegada de convenções – e verdades-absolutas. E assim mesmo, cada
ouvinte-espectador teria interpretações diferentes, o que daria um belo debate –
ou embate.
Assisti
duas vezes a cada um dos Especiais. Isso já diz muito. E entre eles, há
vários momentos simbólicos. Pelo menos, um em cada um dos filmes: o encontro de
Cristo com Buda e Shiva e os discípulos apontando Judas como o único traidor,
os mesmos homens e mulheres que nunca compreenderam os ensinamentos de Cristo.
Exatamente
como a maioria dos seguidores de Cristo que nunca entenderam nada a respeito
daquele que dizem seguir.
A minissérie Ciranda Cirandinha, produzida pela TV Globo em 1978, está atualmente disponível no YouTube em uma cópia de visibilidade razoável – combinando com os tempos obscuros da ditadura que retrata. Apesar de ter sido produzida no final da década de 1970, quando o mundo já estava imerso no punk, o tema central é a juventude hippie e as suas angústias que, hoje, parecem pueris. O grande drama da vida dos personagens é sair da casa do pais. Diferentemente de hoje, quando o grande drama dos jovens é perceber que a geração dos pais “destruiu” a própria casa, ou seja: o mundo.
O quarteto de atores principais inclui Lucélia Santos, Fábio Júnior, Denise Bandeira e o recém falecido Jorge Fernando.
O seriado, uma sensação entre os jovens que queriam se ver – e ver algo “novo” na TV -, durou apenas 7 episódios (todos exibidos em 1978). O ator Eduardo Tornaghi – que participa ativamente do primeiro episódio – vive um tipo messiânico que nunca voltou de uma viagem de ácido. A censura não curtiu a ideia e a viagem virou uma mega talagada de um goró barato, um porre estratosférico de 51.
Tornaghi, o ser humano e não o personagem, contou em entrevistasque, em um momento dos anos 80, percebeu que vivia em uma “gaiola de ouro” e resolveu conhecer o Brasil real e o “mundo subterrâneo da cultura”. Com um estilo hippie de olhar o mundo, ele passou a dedicar os seus dias a dar aulas de teatro em presídios,acampamentos de sem-terra e a conversar sobre a importância da literatura em escolas. Ele pode ser encontrado às quartas-feiras em um quiosque na praia do Leme, zona sul do Rio de Janeiro,onde realiza a sua Pelada Poética bem em frente ao apartamento onde mora.
O mote dos personagens de Ciranda Cirandinha continua atual, hoje e sempre. Tanto que quase uma década depois o Ira! cantava: “Se sou eu ainda jovem /Passando por cima de tudo/ Se hoje canto essa canção/ O que cantarei depois?…”
Ah, esses jovens… Sempre passando por cima de tudo na ânsia de se
tornarem adultos logo, sem saber que a juventude é um ‘drama’ que passa depressa…
Mais sábio seria preservar o ´olhar o mundo´ infantil e, ainda mais
inteligente, preservar o próprio mundo.
Ao invés de pensar em “apenas” sair da casa dos pais, todos nós deveríamos aprender a conviver neste planeta azul que de fato é o nosso lar. Soa hippie demais? Seria um conceito ultrapassado dos anos 1970? Velho ou não, inocente ou não, que tal cuidarmos juntos de nossa floresta-quintal, brincando todos de Ciranda, Cirandinha, conscientes de que ninguém deve soltar a mão de ninguém?